quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte VII

- Meu nome é Theudebald – Falou o homem ainda sentindo sangue fresco pressionando sua garganta. – Sou de Rouen, e sou apenas um mercador.

Theudebald falava um dinamarquês pobre, mas dava para entender. Rouen era uma cidade da Frankia, e nós conhecíamos aquela costa muito bem. Seu navio já estava tomado, apenas ele e alguns remadores ainda viviam.

- Se você é apenas um mercador, não vejo necessidade de possuir o elmo, a espada e a cota de malha. – Falei escarnecendo.

Theudebald se fez de desentendido, ou, realmente não notou que eu queria seus pertences. Não trocaria Sangue Fresco pela espada dele, as espadas da Frankia são as melhores que há, só que Sangue Fresco também era de lá.

- De onde você vem franco? – Perguntou Wulfgaard calmamente.

- De Rouen senhor. – Viasse claramente que Theudebald não era guerreiro. Tremia como um bezerro no frio.

- Não quero saber de onde você é idiota! – Rugiu Wulfgaard. – Quero saber de onde veio e o que tem no barco.

Theudebald disse que viera de Dublin, na Irlanda, e que depois parou em Wareham, que ficava em Wessex, e que comercializava por lá. Disse também que todos temiam o avanço dinamarquês, e que a única esperança dos saxões do oeste, era o fyrd. O fyrd era os homens do campo que, quando chamados, se juntavam ao exército. Não eram guerreiros, mas era bastante numeroso.

No barco não encontramos nenhum verdadeiro tesouro, apenas algumas moedas de prata, lingotes de estanho, carne salgada e algumas peles de cabra. Também havia uma garota, e Theudebald disse que ela era uma escrava que ele tentara vender, mas não obtece sucesso. Seu nome era Fiona, era irlandesa, e não sei o motivo pelo qual não a compraram. Ela tinha cabelos em cachos ruivos como ferrugem, possuía todos os dentes e era muito bonita. Diferente de Ailith, Fiona tinha um belo par de seios, que deixaram os homens prontos para fornicar, mas antes que a estuprassem, Wulfgaard a exigiu para si como sua parte no saque.

Fiona parecia estar muito assustada, então pensei que para ser uma escrava, ela já estaria acostumada com isso. Suas roupas estavam limpas e não havia manchas de doenças em sua pele. Achei estranho, mas não me importei com isso.

Passamos todas as coisas para o Cavalo do Mar, inclusive Fiona. Ela não lutou e nem nos xingou, apenas chorava. Wulfgaard tentou acalmá-la dizendo que ninguém iria fazer-lhe mal, mas acho que ela não entendeu, pois continuava a chorar.

Ingvar não havia lutado, os outros homens haviam pulado no barco de Theudebald primeiro, e quando ele chegou, todos os que nos atacaram já estavam mortos. Ele teria sua hora de matar, e ela já estava chegando.

Fomos para Selsey.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte VI

Naquele dia não importava quem era o rei de Wessex, pois nós éramos vikings ansiosos por um bom saque e pelo sangue de alguns monges medrosos. Fomos para o sul, vadeando a costa, e víamos pessoas nos observando ao longe. Para o povo que viva no litoral, a imagem de um navio com uma cabeça de dragão na proa e uma serpente na popa, dava medo. Não havíamos colocado quase nada no interior do barco, mas estávamos certos que o saque seria grande, portanto voltaríamos com o navio atulhado de objetos. Como não havia dinamarqueses ao oeste de Lundene, ainda haveria prata, ouro e alimento para o inverno.

Quanto mais ao sul nós íamos, mais o sol sumia e as nuvens ficavam mais escuras. Uma chuva fraca caía e junto com ela a noite chegava. Como não havia estrelas, não poderíamos navegar noite adentro, então ancoramos em uma pequena enseada que encontramos e ali passamos a noite.

Durante a noite, a chuva aumentou e os ventos também. Foi um momento de tensão, pois as ondas fortes poderiam empurrar o Cavalo do Mar nas pedras, mas nada aconteceu e em pouco tempo a chuva e os ventos cessaram. Pelo que vimos, Njord tinha gostado do sacrifício e nos poupado aquela noite, e ainda nos deu um grande presente pela manhã.

Nos preparávamos para sair da enseada quando avistamos um barco pequeno de três remos. Ficamos observando e não parecia que havia guerreiros a bordo, então destapamos os buracos, colocamos os remos na água e fomos em direção ao barco solitário. Se avistássemos guerreiros bem armados, talvez deixássemos ele partir. Wulfgaard, assim como todos os outros jarls, não podia perder muitos homens em batalha, porque teria que esperar até a primavera para que outros chegassem. Por isso só se lutava contra o que era possível vencer, ou, o impossível de ser evitado.

O barco estava indo para leste, mas quando nos avistou indo em toda velocidade em sua direção, se virou para o sul. Não tinha como fugir. De fato não era um dinamarquês, parecia ser franco, e isso nós confirmamos quando chegamos mais perto e vimos o homem gritando em seu idioma para que remassem mais rápido, enquanto outro homem, de pé na proa, chicoteava os remadores. Seus remos subiam e desciam com força, mas o Cavalo do Mar era mais veloz e, assim fomos chegando perto da popa e avançamos pelo lado direito. Puxamos nossos remos e emparelhamos na lateral do barco, quebrando todos os remos deles. Vi remadores caindo dos bancos por causa do impacto do remo quebrando no peito. Não chega a matar, mas quebra umas costelas.

Eu estava vestido para o combate, que não passou de um massacre, mas quando as espadas levantam, o sangue jorra e os homens caem, não importa se é batalha ou massacre, só importa o prazer. O prazer de sentir a vida de um homem terminando em suas mãos.

Prendemos o barco ao nosso e nos preparamos para pular. Não havia motivo para fazer uma parede de escudos, os remadores não eram guerreiros, os homens que os comandavam eram apenas três e o dia era nosso.

- Sangue! Por Thor! – Wulfgaard rugia enquanto pulava e acertava Morte Fria no rosto de um dos comandantes, que caiu com um buraco entre os olhos, que não paravam de sangrar.

Fui em direção ao homem que estava no leme, pois possuía um elmo com placa facial todo decorado em prata e bronze, e eu o queria para mim. Um dos remadores veio em minha direção com os braços erguidos acima da cabeça e segurava uma espada. Antes que ele pudesse me golpear,enfiei Sangue Fresco em sua garganta e sua espada caiu para trás, enquanto ele caía e levava suas mãos ao ferimento. Chutei sua cara e fui ao homem que já havia largado o remo leme, e agora segurava uma bonita espada e um escudo. Um remador caiu à minha frente com uma flecha enterrada no peito nu. Foi só o tempo em que me distraí olhando-o, que o homem veio para cima de mim gritando feito um filhote de cão com fome. Ele me golpeou, cortando o ar pela direita, mas aparei o golpe com meu escudo. Dei uma estocada e ele se afastou antes que minha lâmina encostasse em sua cota de malha. Ele xingava e cuspia em minha direção, então tentou golpear meu tornozelo. Girei o corpo e sua espada foi ao vento. Ele se desequilibrou e eu o empurrei com meu escudo, fazendo com que ele caísse. Vendo que não tinha como viver, ainda tentou se levantar e lutar, mas coloquei Sangue Fresco em sua garganta e exigi saber quem era.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte V

Após ter feito o que viera fazer, Wulfgaard voltou com os outros para a aldeia, já que não ficava tão longe. Eu fiquei pensando que em dois dias sujaria Sangue Fresco com o sangue de um Bispo. Em um reino onde era mais importante rezar do que lutar, matar um Bispo era algo que me deixava feliz.

As revoltas contra nosso domínio são comuns. Alguns homens dizem que não irão pagar os impostos, mas depois que alguns deles são mortos a revolta acaba. Todos os reinos saxões que tomamos nós deixamos o rei em seu trono, ou, os ealdormen, que são os principais nobres da terra. Os reis e os ealdormens são o poder de um reino, são homens que têm grandes terras e montam exércitos. Abaixo deles estão os reeves, que são responsáveis pela lei na terra de um senhor. Os homens ricos que podem liderar seguidores na guerra, mas que não possuem grandes terras como os nobres, são chamados de thegns. Abaixo deles estão os ceorls, que são todos os homens livres, mas se perder seu meio de vida, pode se tornar um escravo. É assim que os saxões se organizam, mas no fim, quem dita as regras somos nós, eles são apenas meros fantoches guiados por nossas mãos. Eles e os malditos homens da Igreja eram quem instigavam as revoltas, ou ao menos sabiam delas, mas quando chegávamos para saber o que tinha acontecido, eles nunca sabiam de nada, ou, dizem que não tinha sido nada que tenha fugido do controle.

Naquela noite, um pouco antes de dormir, Ailith e eu conversamos sobre o que seria feito, entre outras coisas, e uma delas era que nome teria o filho que estava por vir. Eu disse que se fosse menino Iria se chamar Egil e se fosse menina Sigrid. Porém, ela queria que tivesse um nome saxão, e menina seria Ealdgyth, enquanto menino seria Aiken.

Falei que isso não era nome de homem e que para mim, os dois eram de menina. Ela se zangou e falou que era para eu dormir lá fora, mas então eu perguntei o que Aiken queria dizer e ela me respondeu que significava feito de carvalho. Ela disse que nosso filho seria forte como um carvalho, então eu aprovei e fomos dormir. Eu estava feliz pois tinha uma boa mulher, teria um filho forte como um carvalho e em dois dias mataria alguns monges e um Bispo.


Não se passaram nem muitos anos desde o nosso ataque à Selsey, e a estória já mudou e cresceu absurdamente. Sendo um skald, eu sei que quando uma estória é contada, sempre se aumenta um pouco os fatos. A briga sempre se torna uma grande batalha, poucos homens tornam-se milhares, e que aquele que foge ou se esconde, acaba se tornando o grande herói e será lembrado para sempre. Nós somos pagos para aumentarmos os fatos, e não relatar o que realmente aconteceu.

Hoje, quando falam dos perversos vikings que atacaram o pobre mosteiro de Selsey, dizem que um verdadeiro exército cercou o local, quando na verdade éramos apenas 76 homens. A tripulação do Cavalo do Mar era de 72 homens que se revezavam em, 36 por vez, nos 18 remos que faziam o Cavalo do Mar deslizar pelas águas.

Naquela manhã eu havia ido para a aldeia, que crescia a cada dia, e levei Ingvar comigo. Wulfgaard havia mandado duas serviçais para que Ailith não ficasse sozinha, e com elas, também foram dois homens para as protegerem de qualquer animal ou ladrões.

O Cavalo do Mar já estava pronto para cortar o mar, assim como minha espada corta os homens. Acho que nenhum dinamarquês consegue ficar longe do mar por muito tempo, e eu já não via a hora de sentir o balanço das águas, o vento forte batendo em meu rosto, e as pequenas gotas que sobem e refrescam em um dia de sol forte.

O dia não estava muito bom para navegar, mas quando chegássemos ao mar, faríamos um sacrifício a Njord. Colocamos Ingvar em um dos remos para que aprendesse os mistérios do mar, e também treinasse sua musculatura. O garoto era magro, mas já estava ganhando músculos com facilidade, devido ao nosso treinamento diário. Reclamava de dor, mas quando ele entrasse em sua primeira parede de escudos, os músculos que doeram para se formar, seriam melhores do que um braço fraco e corpo mole. E assim ele remou pelo Crouch, as pás dos remos batiam na água e refletiam a pouca luz de sol que havia. As nuvens pareciam nos seguir, mas não desistimos da idéia. O outono estava chegando e com ele, suas tempestades.

Então chegamos ao mar.

As ondas estavam batendo forte contra a costa e o vento soprava com furor. Ingvar deveria agradecer naquele dia, pois, por causa do vento, puxamos os remos para dentro e tapamos os buracos. Antes que partíssemos definitivamente, matamos um porco e deixamos o sangue correr pelo barco. Jogamos o animal ao mar para que Njord aceitasse o sacrifício e nos desse uma boa viagem. O vento agora batia com força na grande vela do Cavalo do Mar e fazia com que ele cortasse as ondas que cresciam à sua frente. Não é fácil guiar um navio desses pela vastidão do mar, ainda mais em um dia daquele, mas quem guiava era o “Urso”, Bjorn, o homem que mais amava aquele navio, e conhecia o mar tanto quanto um padre conhece a prata.

Selsey ficava no litoral de Wessex, o único reino que ainda não tinha caído diante dos nossos olhos, mas sua hora chegaria. Wessex tinha por rei Æthelred, um bom rei pelo que diziam. Tinha um filho chamado Æthelwold que era ainda um bebê. Quem estava sempre ao seu lado era Alfredo, seu irmão. Mas essa já é outra história.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte IV

Eu pensava que as minhas maiores perdas aconteceram quando eu ainda era uma criança. Eu perdi meu pai, minha mãe, irmãs e irmãos, minha terra e minha vida. Jurei para mim mesmo que nunca mais iria sentir uma perda, mas nós homens somos fracos ao passarmos por coisas que tiram nosso chão. Achamos que estamos no controle de tudo, quando na verdade, quem tece o fio do destino de casa homem, são as Norns.

Quando perdi minha vida pela primeira vez eu tinha 10 anos e pensei que nunca me recuperaria, mas depois de muito choro e lutas, eu me tornei um homem. Ainda me recordo das coisas, e apenas me dão força para seguir sempre em frente. Eu nunca pensei que perderia minha vida de novo, mas o fio do meu destino estava sendo tecido conforme as fiandeiras queriam, e não eu.

Percebi com o tempo que Ingvar foi o mais próximo que eu tive de um filho. No princípio foi um pouco difícil convivermos diariamente debaixo do mesmo teto. Aguentar aquele cagalhão choramingando porque seu corpo doía, devido ao treinamento, me tirava do sério. Cada vez que eu ouvia uma murmuração, fazia com que ele treinasse mais, e se mesmo assim ele continuasse, eu o espancava com um pedaço de pau.

Ingvar treinou durante toda a primavera e verão. Ele ficou mais forte, seus músculos cresceram e seu peito ficou largo. De dia e noite ele andava com cota de malha e elmo, assim se acostumaria com o peso e não perderia a agilidade em um combate. Ao contrário do que pensava, Ingvar se tornou muito bom com a espada, e eu me orgulhava de ter transformado um cagalhão em um guerreiro de verdade. Mas Ingvar só se tornaria um bom guerreiro depois que sobrevivesse à primeira fila de uma parede de escudos, e eu queria ver como o garoto iria se sair no meio daquela matança.

Ailith gostou muito da nova casa que era mais espaçosa que a outra. Tivemos que expulsar os antigos moradores, mas não foi problema. Viver no campo a deixava bem mais feliz do que viver dentro dos muros de uma cidade. Tínhamos nossa terra, nossos animais e tudo estava indo bem. Ela tratava Ingvar como um filho, mesmo não sendo muito mais velha que ele, e ele a ajudava em tudo, ainda mais por sabermos que ela estava esperando um filho meu. Meu primeiro. Demos uma grande festa para celebrar o que eu esperava há muito tempo. Ficamos bêbados e contentes, e naquele dia eu era o meu feliz dentre todos os que ali estavam, porque eu teria um filho.

Passado alguns dias, naquele fim de verão, eu treinava Ingvar quando vi cavaleiros se aproximando. Ao longe não víamos se eram amigos ou não, então Ingvar foi buscar uma lança para mim e uma para ele. Ingvar já havia entrado em casa, quando vi o estandarte do urso, era Wulfgaard. Os cavaleiros iam se aproximando e vi que Wulfgaard vinha na frente, seguido por Halfdan, Gudrik e mais alguns homens.

- Pelo que estou vendo, já está preparado para a guerra. – falou Halfdan me zombando.

- Sempre estou preparado, mas agora eu estava treinando com Ingvar. – Nesse momento o garoto veio correndo pela porta de casa com toda sua roupa de guerra e mais duas lanças.

- Por Hel! Onde esse garoto está indo? Matar dragões? – Falou Gudrik em voz alta e em tom zombeteiro.

- O único dragão que irei matar será a sua mãe. – Retrucou Ingvar.

Gudrik ficou surpreso com a resposta de Ingvar e todos riram por ver Gudrik sem reação.

- Parece que o garoto não aprendeu somente a lutar. – Falou Wulfgaard.

- Não mesmo. – Respondi. – Mas o que vieram fazer aqui? Ragnar já chegou?

- Ainda não, mas precisamos conversar.

- Na verdade vocês estavam sentindo minha falta e vieram aqui para acabar com minha comida e minha cerveja – Brinquei com isso e mandei Ingvar ajudar Ailith com as coisas. – A casa é pequena, mas tem lugar para todos, menos para você Halfdan, acho melhor ficar com os porcos.

- Tenho pena deles. Você já deve ter fornicado com todos os coitados. – Retrucou em alta voz e gesticulando o ato.

Todos apearam e amarraram os cavalos. Alguns pássaros cantavam e o som do Crouch servia como um calmante àqueles que o escutavam. O sol estava no ponto alto do céu, era por volta de meio-dia, e algumas nuvens pareciam indicar que aquele final de verão estava indo embora, e o outono, chegando com suas tempestades.

Wulfgaard e os outros entraram e Ailith os recebera com muita alegria. Ela gostava de viver entre nós, dizia que sabíamos como dar uma festa de verdade, ao contrário dos cristãos, mesmo ela também sendo uma cristã. Ela nos serviu pão velho, arenque seco, queijo e cavalinhas, e como não poderia faltar, a cerveja.

Qualquer encontro era motivo para festejar, e esse não foi diferente. Histórias foram contadas, músicas cantadas e novamente tive que contar como fiquei sendo chamado de Johan, o Berseker. Ailith e Ingvar participaram do festim que só terminou ao crepúsculo. Havia um barril e meio de cerveja, e os homens tinham trazido mais dois em um dos cavalos. O resultado disso foi Ingvar brandindo sua espada e dizendo que iria matar todos os saxões que ele encontrasse, depois caiu de joelhos e vomitou durante toda a noite.

Só depois que toda cerveja havia acabado, é que Wulfgaard começou a falar o que seria o motivo da visita.

- Além de querermos sua comida e bebida – falou Wulfgaard irônico. – Queremos que venha conosco até Selsey. – Que ficava em Chichester.

- E o que tem lá para fazer?

- Soubemos que o ataque que você sofreu, foi ordem de um homem chamado Guthheard, e ele é Bispo de Chicester.

Parece que Guthheard estava em Elmham discutindo assuntos da Igreja, e também incitando aos homens para que se levantassem contra nós. Ele estava voltando para Selsey com quatro guardas e alguns homens que resolveram segui-lo, quando nos encontrou. Vendo que estava em vantagem numérica, resolveu nos atacar, mas acabou derrotado e fugiu para Selsey.

- Agora nós iremos até Selsey para colocarmos a cabeça desse verme na ponta de uma lança, e aproveitamos para ganharmos alguma coisa. – Completou Halfdan.

- E quando partiremos? Perguntei já sentindo o prazer de matar um Bispo.
- Em dois dias, pela manhã. Lembre-se de levar o garoto com você, mas antes, ensine-o a beber como homem. – Isso provocou o riso de todos.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte III

Depois de uma noite de descanso, fui acordado por uma certa agitação na aldeia. Havia gritos, mas não de medo ou algo ruim, mas gritos de júbilo. Ailith preparava algo para comermos, e só de olhar aquela mulher, meu sangue já ficava mais quente novamente. Por mim, repetiria a “batalha” da noite, mas eu precisava ver o que acontecia lá fora.

- Sabe o que está havendo lá fora? – Perguntei a ela.

- Não sei ao certo – Respondeu com um sorriso no rosto. – Mas acho que o padre está incluído nisso.

- Vou dar uma olhada. O que tem para comer?

- O mesmo que ontem oras. E fique muito feliz com isso – Agora o sorriso já havia sumido, mas ela continuava delicada. – Já falei que não gosto daqui. Por que não podemos morar em uma casa maior, termos nossa própria terra, nosso gado?

- Já conversamos sobre isso. Não posso fazer o que quero, tudo o que tenho devo à Wulfgaard. Não posso tomar decisões importantes sem o consentimento dele, mas falarei com ele.

Fui ver o que estava havendo, e vi que Ailith estava certa. Padre Baldwyn estava no centro da aldeia e segurava uma cruz feita de gravetos. Uma multidão estava em volta dele e gritavam a Deus, se ajoelhavam, deitavam no chão enquanto o padre pregava a palavra que libertaria a vida daqueles que a ouvissem. Ao longe estava Wulfgaard observando o frenesi daquelas pessoas. Com ele estavam Eclaf e Eirik, então me juntei a eles.

- Johan, o Berseker – Disse Eclaf num tom debochado. – Se você ganhou esse nome por ter matado dois com uma fúria repentina, eu deveria ser chamado como o próprio Thor! Matar dois é para crianças ou cães fedorentos.

- Com a barriga que possui, não consegue nem deitar sobre uma menina sem sufocá-la, como vai matar um homem? – Eclaf era um bom guerreiro, gostava de tirar sarro dos outros, mas odiava quando faziam o mesmo com ele. – O que o padre está fazendo?

- Está falando sobre um homem que foi levado ao céu por uma carruagem de fogo – Respondeu Wulfgaard, que parecia estar interessado na história. – Ele também falou sobre algo que devemos fazer quando nos tornamos cristãos, só não sei o que é.

- Ah! É tomar banho no rio. – Disse rindo.

- Para ser cristão deve se tomar banho no rio? – Eirik estava surpreso em ouvir isso.

- Não é bem tomar banho. O padre me disse que é como lavar as coisas erradas e começar tudo de novo sendo cristão.

- Coisas erradas? Então tenho que dar um belo banho na minha mulher. – Disse Eclaf chorando de rir.

- Prefiro morrer afogado no rio, do que ser cristão. – Todos nós rimos do que Eclaf e Eirik disseram, e pela interpretação de Eirik como se estivesse se afogando.

Padre Baldwyn encerrou sua palavra e as pessoas voltaram aos seus afazeres. Ailith também tinha ouvido parte do que o padre falara, e agora conversava com Gyda, a mulher com quem ela conversara aquela noite na taverna. Eclaf e Eirik tinham ido ver se os reparos no Cavalo do Mar – o navio de Wulfgaard – iam bem, e agora o padre Baldwyn vinha em nossa direção.

- Johan! – O padre parecia surpreso em me ver. – Ouvindo a palavra de Deus? A sua mulher estava lá.

- É eu vi.

- Ela já é batizada?

- Você quer saber se ela já tomou banho no rio, é isso?

- Não é bem isso, já lhe expliquei, mas tudo bem entenda assim.

- Não sei padre, isso só perguntando a ela.

Nesse momento Wulfgaard tomou a palavra.

- Onde aprendeu nossa língua padre?

- Aqui mesmo meu filho. Achei que seria necessário depois que vocês chegaram aqui pela primeira vez.

- E você sabe desenhar sons? – Perguntou Wulfgaard com seriedade.

- Desenhar sons? Você quer dizer se eu sei escrever. Sim, eu sei.

- Então desenhe para mim: Todos os homens morrem, mas nem todos os homens vivem.

Então o padre desenhou, com o dedo na terra, o que Wulfgaard lhe falou.

- Você vai desenhar isso naquilo onde vocês cristãos possuem suas histórias.

- Mas eu não tenho o que preciso aqui.

- Me fale o que precisa e eu conseguirei.

Padre Baldwyn agradeceu e foi para a igreja. Eu fiquei pensando o porquê do interesse de Wulfgaard na escrita do padre, mas não perguntei nada e quando fosse a hora eu saberia o motivo. Ele me perguntou se eu tinha visto Ingvar lutando, mas eu nada tinha visto além dos homens que matei. Também não entendi sua preocupação com Ingvar, mas logo saberia.

- Johan, preciso que você faça algo por mim. – Wulfgaard estava pensativo e eu imaginei logo que teria que ir para longe novamente.

- Contanto que não seja me tornar cristão, pode falar. – Respondi com sarcasmo.

- Não, não quero que se torne um homem que só sabe rezar, mas não sabe lutar – Retrucou com uma risada. – No começo do outono, Ragnar irá chegar e depois eu precisarei voltar à Dinamarca para resolver alguns assuntos pendentes.

- Seu primo Ragnar?

- Sim, ele mesmo.

Ragnar, o Vermelho, como era chamado por ser muito ruivo, era tão bom guerreiro como Wulfgaard e também ótimo companheiro. A única diferença marcante entre os dois era que Ragnar sempre foi muito mais brincalhão que seu primo.

- Ele virá para podermos marchar para Wessex? – Perguntei animado.

- Não. Ele virá para guarnecer a aldeia enquanto eu volto à Dinamarca, e como viajarei, não poderei treinar Ingvar até o fim, e é esse o meu pedido, que você o treine.

- Posso bater no cagalhão? – Perguntei em tom zombeteiro.

- Não pode. Deve. – Respondeu Wulfgaard também zombando.

- Eu apenas gostaria de pedir uma coisa também – Wulfgaard aquiesceu e eu continuei. – Ailith deseja morar em uma casa no campo, criar seu gado, ter sua terra para cuidar.

- Acho que você está fazendo ela gemer alto demais à noite, e quer morar em um lugar vazio para não incomodar ninguém. – Wulfgaard segurou meu ombro enquanto ria sem parar. – Já viu alguma casa que tenha lhe agradado?

- Na verdade sim. Quando vinha para cá, vi uma que ficava próxima ao rio. Acho que é o que Ailith deseja.

- Não vejo problema nisso. Amanhã você pode ir para sua nova casa, mas levará Ingvar com você, e quando eu precisar você estará aqui.

Concordei e fui para casa contar à Ailith a grande novidade.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte II

Fui para o grande salão onde me disseram que Wulfgaard estaria. O salão já estava pronto e apenas tratavam de deixar o teto bem feito, para que a água da chuva não entrasse. A fachada era decorada com cabeças de dragões e serpentes, desenhos de lobos, ursos e águias. Quando entrei, avistei Wulfgaard assentado em uma cadeira próxima à lareira, e a sua frente estavam Naddod, Ingvar e padre Baldwyn. As paredes do salão possuíam escudos, lanças, machados e espadas, e também o estandarte do urso.

- Johan! Ainda está vivo homem? – Wulfgaard estendia um pote com hidromel até a boca, e minha alegria ao ver o caldeirão com o líquido foi imediata.

- Não sou tão fácil de matar assim. Bem que tentaram.

- Eu o mando trazer um padre e você me traz um garoto, junto com um guerreiro?

Quando eu abri a boca para falar, Naddod tomou a frente na apresentação.

- Meu nome é Naddod e este é Ingvar, filho de Asgeir, o Manco.

- Asgeir? Aquele porco fedorente ainda vive? – Wulfgaard o conhecia desde criança e ficou surpreso ao saber que ainda vivia. – Conheço seu pai há muito, garoto. Mas então, o que os trouxeram aqui?

- Antes que Ingvar nascesse Asgeir havia dito que seu filho se tornaria um guerreiro pela mão de Wulfgaard, o Urso.

- Já matou algum homem garoto? – Indagou Wulfgaard.

- O garoto já...

- Cale a boca! – Wulfgaard se levantou e arremessou o pote com hidromel para longe. – Eu estou falando com o garoto. A menos que ele seja mudo, sugiro que fique calado. Você é a mãe dele?

- Olha como fala co... – Novamente Naddod fora interrompido quando Wulfgaard foi em sua direção com velocidade, e o empurrou até a parede com seu antebraço, prendendo-o pelo pescoço.

- Olha como fala você, seu vermezinho de merda! – Wulfgaard falava cara a cara com Naddod. – Você não é nada para mim seu bosta. Te mato como mataria sua mãe, mas não quero ter desavenças com Asgeir por tão pouca coisa. Se quiser ficar aqui, dormirá com os cavalos, ou pode ir embora agora.

Wulfgaard o soltou e Naddod caiu de joelhos buscando ar. Ele podia ser um grande guerreiro, mas a fama de Wulfgaard era bem maior. Ingvar olhava assustado o seu novo mestre, enquanto padre Baldwyn soltava um risinho ao ver Naddod tentando se levantar. Eu o olhava sério e com uma enorme vontade de espancá-lo até a morte, mas acho que Wulfgaard não concordaria.

- Nós ainda nos encontraremos Bjorn – Naddod havia se levantado e caminhava para a grande porta do salão. – No campo de batalha ou fora dele. Isso também serve para você, homenzinho.

- Se você tiver amor pela vida, vai querer que isto não aconteça, cãozinho. – Respondeu Wulfgaard rindo e latindo feito um cão.

E assim ele se foi. Naquela mesma noite, Naddod cruzou os portões de Withburga, e só iríamos nos encontrar muito tempo depois. No salão só restavam Ingvar, Padre Baldwyn, Wulfgaard e eu. O padre fazia o sinal da cruz ao ver alguns símbolos e o crânio de um urso acima da cadeira onde Wulfgaard voltava a se sentar.

- Mas que bastardo... Mas eu havia lhe perguntado se já matou algum homem garoto. O que você me diz? – Wulfgaard olhava para Ingvar parecendo que vasculhava sua alma.

- Na verdade sim – Ingvar gaguejava ao falar e tremia um pouco. O olhar inquisidor de Wulfgaard parecia estar dando certo. – Matei meu primeiro homem quando vinha para cá.
- Está com quantos anos garoto?

- Acho que 15, senhor. – Ingvar pareceu envergonhado ao falar sua idade, e assim sabermos que ele nunca havia matado antes daquele dia.

- Seu pai nunca o levou para uma luta, ou mandou você matar alguém?

- Sim senhor, mas eu não manejo a espada com firmeza – O garoto baixou a cabeça mostrando que realmente era um cagalhão. – Não sou, nem acho que serei um bom guerreiro.

- Isso nós ainda vamos ver. Por hora você pode ir. Procure Halfdan e diga que eu mandei arrumar um lugar para você ficar. – Dito isso, Ingvar se retirou do salão. – E quanto a você padre, acho que sabe onde fica a igreja. Lá tem um lugar para você ficar.

- Muito obrigado senhor Wulfgaard. Que Deus lhe abençoe.

- Não preciso do que o seu deus tem – Wulfgaard exibia preso ao pescoço um grosso cordão de prata com martelo de Thor. – É bom que você se comporte padre, ou verá seu deus mais rápido do que imagina.
Padre Baldwyn também se retirou do salão, então Wulfgaard veio querer saber sobre o ataque que sofremos, já que o padre já havia falado por alto o que havia ocorrido. Contei como tudo havia acontecido e Wulfgaard me disse que eu seria chamado de Johan, o Berseker, por causa da minha súbita loucura. Pude enfim beber o hidromel que eu tanto ansiava e comer uma boa carne. Logo depois Halfdan, Eirik e Gudrik chegaram e eu contei novamente a história de como três homens haviam vencido doze, e como um padre atravessou uma lâmina pelo tórax de um homem e assim me salvou. Comemos, bebemos e rimos durante todo o dia, até que à noite fui para casa, onde Ailith ainda me esperava acordada para que travássemos um outro tipo de “batalha”. E tenho que dizer que foi mais cansativa do que a que tive pela tarde.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Capítulo II: O Teste de Ingvar - Parte I

Hoje quando fico sozinho e volto ao passado, me recordo da doce Ailith correndo pela grama verde, brincando nua nas águas do rio Crouch ou aconchegada em meus braços no frio das noites de inverno.

Naquele entardecer primaveril, quando chegamos a Withburga, foi assim. Avistamos o estandarte de Wulfgaard, que era um pano preto em forma de triângulo que ficava com a ponta para baixo. Na parte de cima era escrito Bjorn – que significa urso – e logo abaixo ficava o desenho de um urso em branco. Algumas pessoas trabalhavam na terra fora da paliçada que já estava praticamente pronta, faltando apenas a plataforma onde ficaríamos para acertar com uma lança a cabeça de qualquer desgraçado que chegasse perto demais. Era um muro de terra com uns 4 metros, o que dificultaria a subida de qualquer homem, e logo acima do muro ficava a paliçada com grossas toras de madeira. À frente do muro de terra ficava um fosso com estacas afiadas. O fosso rodeava toda a fortificação, menos no ponto onde ficava o portão, e foi esse portão que eu vi se abrindo e deixando minha Ailith correr em minha direção com os cabelos esvoaçantes, os braços estendidos e aquele sorriso único no mundo.

Ela corria em minha direção chamando meu nome e eu trotei com Swarta até chegar próximo a ela, então apeei e fiquei ao lado do animal esperando que ela chegasse. Ailith se atirou aos meus braços, me jogando para trás fazendo com que eu caísse na grama com ela em cima de mim. Rimos com a queda e eu nunca soube como ela não se machucou ao bater em minha cota de malha.

Vi que algumas pessoas também riam com a cena, e pude ouvir o som do chifre avisando que tínhamos chegado. Naddod e Ingvar passaram por nós e apenas olharam do alto de seus cavalos com arrogância. Padre Baldwyn, ao contrário deles, desmontou de seu cavalo e veio ter conosco.

- Então essa é a bela esposa que você tanto falou? – A pergunta foi feita enquanto ele segurava a mão de Ailith e a abençoava.

- Ela não é minha esposa padre, é minha mulher.

- Johan me disse que você é cristão minha filha. Segue verdadeiramente o caminho de Deus? – Os dois conversavam em saxão, portanto eu não entendia uma palavra. Ailith me contou depois o que falaram naquela hora.

- Sim padre. Faço minhas orações todos os dias.

- Como cristã você deveria se casar com Johan debaixo das bênçãos de Deus. Deseja isso minha filha?

- Claro que sim padre.

- Mas para isso ele deverá se tornar cristão também. Acha que ele aceitará?

- Posso tentar, mas não acho que ele irá negar sua crença nos outros deuses.

Pelo jeito que falavam eu sabia que o assunto era eu. Como não entendia o que diziam, mandei que falassem em dinamarquês.

- Johan. Sua mulher como cristã, deve ser casar com você debaixo das bênçãos de Deus – Padre Baldwyn falava em tom ameno e parecia querer me explicar bem, para que eu aceitasse a proposta. – E para que o casamento seja realizado, você precisa se tornar cristão.

- E como me torno cristão?

- Eu te levarei a um rio, e ali mergulharei o velho Johan para que o novo Johan, lavado e remido pelo sangue de cristo se levante. – Essa explicação de mergulhar no rio, aconteceu porque não existia palavra em nosso idioma que fosse parecida com batismo.

- Você vai me lavar no rio? – Ri ao imaginar o padre gordo e fraco tentando me suspender.

- Não vou te lavar. Lavarei seus pecados e você será purificado para a Glória de Deus.

Ailith apenas nos observava enquanto falávamos. Ela já entendia muitas palavras em dinamarquês, por isso devia estar rezando para que eu também me tornasse cristão.

- Então me lavando no rio eu me torno cristão?

- Sim meu filho.

- E como ficaria com os outros deuses?

- Não há outro Deus além do Deus de Israel Johan!

- Como não padre? Nós invadimos suas terras, matamos seus homens, estupramos suas mulheres e o que o deus cristão fez?

- Tudo faz parte do propósito de Deus, Johan.

- Não padre. Há uma guerra entre os deuses, e parece que a lança de Odin é mais poderosa que a mão do seu deus. – Não sei se Ailith ligava realmente para um casamento cristão, mas eu não trocaria de deuses, ainda mais pelo que estava perdendo.
Padre Baldwyn foi caminhando para entrar na aldeia, e assim que passou pelos portões, beijou o chão. Perguntei a Ailith se tinha o que comer, pois eu estava faminto, e para minha tristeza, apenas míngua de aveia e enguias defumadas. Dei um tapinha em seu traseiro e mandei-a ir na frente que eu ainda iria falar com Wulfgaard.