- Sabe o que está havendo lá fora? – Perguntei a ela.
- Não sei ao certo – Respondeu com um sorriso no rosto. – Mas acho que o padre está incluído nisso.
- Vou dar uma olhada. O que tem para comer?
- O mesmo que ontem oras. E fique muito feliz com isso – Agora o sorriso já havia sumido, mas ela continuava delicada. – Já falei que não gosto daqui. Por que não podemos morar em uma casa maior, termos nossa própria terra, nosso gado?
- Já conversamos sobre isso. Não posso fazer o que quero, tudo o que tenho devo à Wulfgaard. Não posso tomar decisões importantes sem o consentimento dele, mas falarei com ele.
Fui ver o que estava havendo, e vi que Ailith estava certa. Padre Baldwyn estava no centro da aldeia e segurava uma cruz feita de gravetos. Uma multidão estava em volta dele e gritavam a Deus, se ajoelhavam, deitavam no chão enquanto o padre pregava a palavra que libertaria a vida daqueles que a ouvissem. Ao longe estava Wulfgaard observando o frenesi daquelas pessoas. Com ele estavam Eclaf e Eirik, então me juntei a eles.
- Johan, o Berseker – Disse Eclaf num tom debochado. – Se você ganhou esse nome por ter matado dois com uma fúria repentina, eu deveria ser chamado como o próprio Thor! Matar dois é para crianças ou cães fedorentos.
- Com a barriga que possui, não consegue nem deitar sobre uma menina sem sufocá-la, como vai matar um homem? – Eclaf era um bom guerreiro, gostava de tirar sarro dos outros, mas odiava quando faziam o mesmo com ele. – O que o padre está fazendo?
- Está falando sobre um homem que foi levado ao céu por uma carruagem de fogo – Respondeu Wulfgaard, que parecia estar interessado na história. – Ele também falou sobre algo que devemos fazer quando nos tornamos cristãos, só não sei o que é.
- Ah! É tomar banho no rio. – Disse rindo.
- Para ser cristão deve se tomar banho no rio? – Eirik estava surpreso em ouvir isso.
- Não é bem tomar banho. O padre me disse que é como lavar as coisas erradas e começar tudo de novo sendo cristão.
- Coisas erradas? Então tenho que dar um belo banho na minha mulher. – Disse Eclaf chorando de rir.
- Prefiro morrer afogado no rio, do que ser cristão. – Todos nós rimos do que Eclaf e Eirik disseram, e pela interpretação de Eirik como se estivesse se afogando.
Padre Baldwyn encerrou sua palavra e as pessoas voltaram aos seus afazeres. Ailith também tinha ouvido parte do que o padre falara, e agora conversava com Gyda, a mulher com quem ela conversara aquela noite na taverna. Eclaf e Eirik tinham ido ver se os reparos no Cavalo do Mar – o navio de Wulfgaard – iam bem, e agora o padre Baldwyn vinha em nossa direção.
- Johan! – O padre parecia surpreso em me ver. – Ouvindo a palavra de Deus? A sua mulher estava lá.
- É eu vi.
- Ela já é batizada?
- Você quer saber se ela já tomou banho no rio, é isso?
- Não é bem isso, já lhe expliquei, mas tudo bem entenda assim.
- Não sei padre, isso só perguntando a ela.
Nesse momento Wulfgaard tomou a palavra.
- Onde aprendeu nossa língua padre?
- Aqui mesmo meu filho. Achei que seria necessário depois que vocês chegaram aqui pela primeira vez.
- E você sabe desenhar sons? – Perguntou Wulfgaard com seriedade.
- Desenhar sons? Você quer dizer se eu sei escrever. Sim, eu sei.
- Então desenhe para mim: Todos os homens morrem, mas nem todos os homens vivem.
Então o padre desenhou, com o dedo na terra, o que Wulfgaard lhe falou.
- Você vai desenhar isso naquilo onde vocês cristãos possuem suas histórias.
- Mas eu não tenho o que preciso aqui.
- Me fale o que precisa e eu conseguirei.
Padre Baldwyn agradeceu e foi para a igreja. Eu fiquei pensando o porquê do interesse de Wulfgaard na escrita do padre, mas não perguntei nada e quando fosse a hora eu saberia o motivo. Ele me perguntou se eu tinha visto Ingvar lutando, mas eu nada tinha visto além dos homens que matei. Também não entendi sua preocupação com Ingvar, mas logo saberia.
- Johan, preciso que você faça algo por mim. – Wulfgaard estava pensativo e eu imaginei logo que teria que ir para longe novamente.
- Contanto que não seja me tornar cristão, pode falar. – Respondi com sarcasmo.
- Não, não quero que se torne um homem que só sabe rezar, mas não sabe lutar – Retrucou com uma risada. – No começo do outono, Ragnar irá chegar e depois eu precisarei voltar à Dinamarca para resolver alguns assuntos pendentes.
- Seu primo Ragnar?
- Sim, ele mesmo.
Ragnar, o Vermelho, como era chamado por ser muito ruivo, era tão bom guerreiro como Wulfgaard e também ótimo companheiro. A única diferença marcante entre os dois era que Ragnar sempre foi muito mais brincalhão que seu primo.
- Ele virá para podermos marchar para Wessex? – Perguntei animado.
- Não. Ele virá para guarnecer a aldeia enquanto eu volto à Dinamarca, e como viajarei, não poderei treinar Ingvar até o fim, e é esse o meu pedido, que você o treine.
- Posso bater no cagalhão? – Perguntei em tom zombeteiro.
- Não pode. Deve. – Respondeu Wulfgaard também zombando.
- Eu apenas gostaria de pedir uma coisa também – Wulfgaard aquiesceu e eu continuei. – Ailith deseja morar em uma casa no campo, criar seu gado, ter sua terra para cuidar.
- Acho que você está fazendo ela gemer alto demais à noite, e quer morar em um lugar vazio para não incomodar ninguém. – Wulfgaard segurou meu ombro enquanto ria sem parar. – Já viu alguma casa que tenha lhe agradado?
- Na verdade sim. Quando vinha para cá, vi uma que ficava próxima ao rio. Acho que é o que Ailith deseja.
- Não vejo problema nisso. Amanhã você pode ir para sua nova casa, mas levará Ingvar com você, e quando eu precisar você estará aqui.
Concordei e fui para casa contar à Ailith a grande novidade.